Quebrando o silêncio: Como a Somatização Impacta Profissionais Expostos a Elevado Stress e Traumas

ARTIGOSAPOIO AO PROJETOSAÚDE MENTALCRISE POLICIALDIÁRIO ERICK

Dra. Bárbara Sousa

1/12/20244 min read

Aborda a prevalência da somatização entre profissionais da polícia, relacionando-a ao ambiente estressante e traumático da profissão. Destaca a tendência de expressar desconforto físico em vez de sofrimento emocional, devido a estigmas sociais. Enfatiza a dificuldade em reconhecer e abordar questões emocionais, ressaltando a importância de quebrar o silêncio e buscar ajuda especializada, destacando o EMDR como uma opção terapêutica eficaz, incentivando a superação do estigma associado à saúde mental e promovendo um ambiente onde profissionais possam cuidar de sua saúde emocional sem receio de julgamento.

Assunto sério...

Por Dra. Bárbara Sousa

Psicóloga especializada em Psicotraumatologia Policial. A sua área de especialização são as experiências adversas e potencialmente traumáticas, com especial enfoque nos profissionais que diariamente atuam na linha da frente. Ganhou mais de 3 bolsas de investigação em diferentes equipas quer na escola de Psicologia quer na Escola de Medicina da Universidade do Minho, Portugal. Em 2021 ganhou também uma bolsa financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para realizar o seu projeto de doutoramento. Este é um projeto com Forças e Serviços de Segurança Portugueses e tem como principal objetivo explorar e compreender o impacto dos stressores ocupacionais na saúde mental e na conciliação trabalho-família destes profissionais, mas também dos seus conjugues, uma vez que para a Dra. Bárbara uma das grandes variáveis a ser estudada nesta população, é a conciliação trabalho-família. É autora e coautora de diversos artigos científicos, revistos por pares e publicados em revistas internacionais. É professora convidada em várias Unidades curriculares destacando-se avaliação e intervenção psicológica em Forças e Serviços de Segurança e Psicologia Policial e das Forças de Segurança. Leia o Mini CV AQUI. Contato: @barbarasousa.psicologa , barbarasousa.psicologa@gmail.com

Quebrando o silêncio: Como a Somatização Impacta Profissionais Expostos a Elevado Stress e Traumas

A somatização é extremamente comum na polícia, porque?

Antes de percebermos porque é tão comum as queixas somáticas nos elementos policiais, é importante sabermos que é isto da “SOMATIZAÇÃO”.

A somatização manifesta em dores e doenças no corpo sem causa médica aparente. O que a investigação tem vindo a demonstrar é que muitas vezes estas queixas ocorrem em momentos de maior stress, num estado emocional mais vulnerável e muitas vezes num conflito interno connosco mesmos.

Quem nunca teve dores e barriga antes de um teste na escola? Ou dores de cabeça depois de um dia stressante?

De uma forma geral isto acontece porque o nosso cérebro e o nosso corpo aprenderam que é mais “aceitável” eu queixar-me de dores e mal-estar físico do que de sofrimento emocional.

Numa profissão onde o ritmo acelerado e a constante exposição a situações stressantes e traumáticas se tornam a norma, a somatização emerge como um fenómeno silencioso, mas aceitável, compreensível e normativo, que afeta os profissionais de formas subtis e muitas vezes, negligenciadas. Ninguém nos critica por termos uma lesão no joelho, problemas articulares, cardíacos ou mesmo diabetes. Mas todos nos olham de lado se estamos ansiosos ou deprimidos. Então se falarmos de Stress Pós-Traumático, muito possivelmente a nossa carreira e o nosso sonho terminaram ali. Ainda há um caminho muito grande a percorrer.

Numa cultura policial onde lhes é exigido que se sejam fortes e capazes, que minimizem o impacto e o dano, encontram-se muitas vezes entre a bravura que lhe é exigida e a vulnerabilidade inerente à condição humana. O estigma associado à saúde mental, com especial destes profissionais, complica ainda mais esta situação. Numa sociedade que prefere o silêncio sobre as batalhas internas, é mais fácil admitir dores físicas articulares, de costas ou problemas gastrointestinais, do que enfrentar as cicatrizes emocionais e os sintomas invisíveis.

Para além disso, a autoestigmatização é também uma barreira adicional que todo o ser humano enfrenta, mas que é exacerbado nestes profissionais. A ideia arraigada de que a fragilidade emocional é sinónimo de fraqueza ainda persiste, impedindo estes profissionais de reconhecerem e partilharem as suas lutas internas. No entanto, é crucial reconhecer que a somatização não é um sinal de fraqueza, mas sim uma resposta complexa do corpo a traumas e tensões e stress.

Procurar ajuda de um profissional especializado em psicotraumatologia policial é fundamental no percurso para ressignificar estas feridas emocionais, que ficam alojadas no nosso corpo, muitas vezes mais do que no nosso cérebro.

Ao longo dos últimos anos tenho acompanhado vários policias, entre outros profissionais da linha da frente, e sei que este percurso é doloroso, tumultuoso, mas não é invencível. Entre as abordagens terapêuticas eficazes, destaco o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing), que se tem mostrado resultados promissores – mais rápidos e menos doloroso.

Num mundo onde a saúde mental muitas vezes é negligenciada, é essencial quebrar o silêncio e promover um ambiente onde todos possam procurar ajuda sem medo de julgamento.

Reconhecer que não estamos bem e que precisamos de ajuda é válido, é um ato de coragem, mas também é um ato de amor. Connosco e com os nossos que também sofrem connosco e por nós.

A terapia pode ser uma luz no fim do túnel, um passo crucial para a “cura”. Afinal, cuidar da saúde emocional é tão vital quanto cuidar da saúde física, e é hora de quebrar os estigmas que nos prendem em um silêncio prejudicial.

Nenhum profissional estará sozinho!

"QUEM CUIDA, MERECE CUIDADOS"

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