Estudo americano sobre Suicídio Policial e Reflexões acerca do tema

ARTIGOSDESTAQUESCRISE POLICIAL

Erick Guimarães

6/29/20236 min read

O artigo “Law enforcement worker suicide: an updated national assessment” foi publicado na revista Policing em 2021 pelos autores John M. Violanti e Andrea Steege. O artigo discute o uso de um banco de dados nacional para estudar o suicídio de profissionais da segurança pública, e apresenta ideias para políticas nesse tema. Os resultados indicam uma proporção significativamente maior de mortes por suicídio para profissionais da segurança pública, em comparação com profissionais de outras áreas.

Algumas ideias...

Por Erick Guimarães

Perito Criminal, Especialista em Políticas e Gestão da Segurança Pública, Criminologia e, Engenharia Ambiental. Professor  há mais de 20 anos, Físico (bacharelado e licenciatura) pela UnB, psicanalista em formação.

Esse artigo estrangeiro mostra a importância da discussão dessa temática no Brasil, visto este ser um desafio enfrentado mesmo naqueles países com instituições e economias mais bem estruturadas que a nossa. Podemos ver que essa preocupação com a saúde policial e a relação entre a natureza do trabalho na segurança pública e o adoecimento psíquico acontece em outras regiões globais.

Ao fim dessa discussão vou disponibilizar o PDF do artigo na íntegra para aqueles que quiserem ler. Quem tiver um pouco mais de dificuldade com o inglês, recomendo o uso de tecnologias eficientes de tradução, como o Google Translate. Não deixe de ter contato com esse assunto, vale muito a pena e seu reconhecimento e tratamento adequados podem salvar muitas vidas !

O artigo “Law enforcement worker suicide: an updated national assessment” publicado na revista Policing em 2021 pelos autores John M. Violanti e Andrea Steege é um estudo importante que discute o uso de um banco de dados nacional para estudar o suicídio de trabalhadores da segurança pública. Os resultados indicam uma proporção significativamente maior de mortes por suicídio para esses profissionais em relação ao que ocorre em outras carreiras.

Os autores utilizaram dados de certidões de óbito para calcular as razões de mortalidade proporcional de suicídios. O artigo pontua que uma melhor compreensão do escopo do suicídio para profissionais em condições de vulnerabilidade pode nortear políticas focadas no planejamento e início de programas de prevenção.

Este tipo de estudo é importante porque fornece informações valiosas sobre o escopo do suicídio nesse grupo e possibilita a implementação de políticas focadas no planejamento e início de programas de prevenção. Os servidores da segurança pública enfrentam uma variedade de exposições adversas, incluindo situações que ameaçam a vida, eventos traumáticos, testemunho de violência e agressões, abuso infantil, etc. Essa gama de exposições pode aumentar o potencial para resultados associados à ideação suicida, como depressão e desesperança. Portanto, é importante entender o escopo do suicídio na área e desenvolver políticas e programas eficazes para prevenir essa tragédia entre esses profissionais.

No Brasil, a realidade não é diferente. Quando olhamos para a interseção entre trabalho e suicídio, é impossível ignorar a alarmante taxa de suicídio dentro da polícia, que ocupa um triste lugar de destaque entre todas as profissões. Enquanto a taxa média de suicídio na população geral é de 5,8 a cada 100 mil habitantes(ver link4), entre os policiais essa taxa sobe para 23,9. Infelizmente, mês após mês, somos confrontados com notícias e relatos sobre esses trágicos eventos entre os agentes da lei.

A quantidade de policiais que tiram a própria vida supera o número de policiais mortos em confronto. Em São Paulo, por exemplo, a chance de um policial civil cometer suicídio é três vezes maior do que morrer em ação. O inimigo invisível dentro da profissão atualmente, pelo jeito, é a falta de saúde mental dos policiais. Pessoas saudáveis não tiram as próprias vidas, independente do motivo. Observa-se muitas vezes uma preocupação, desconcertante, para excluir responsabilidades, principalmente institucionais, em se tentar atribuir variáveis únicas e determinantes, para justificar o ato praticado por um colega que ceifou a própria vida. "Não foi culpa do trabalho, foi de... fulano(a) estava passando por...", quem nunca ouviu algo semelhante ? O fato é que os motivos não importam, pessoas saudáveis mentalmente, não se autoexterminam, ponto. E a responsabilidade institucional, de certa forma, sempre estará presente. Quem forneceu a arma, instrumento do ato ? A quem compete a responsabilidade de afastar, acompanhar e fiscalizar as condições mentais que alicerçam o direito ao porte de arma ? O Estado ! As instituições ! Então deve haver preocupação com a parcela de responsabilidade no fato trágico, sim. Caso a pessoa tivesse recebido assistência à tempo, não estaria armada, ou se estivesse sob cuidados, talvez não atentaria contra a própria vida. Mais uma vez, os possíveis motivos para a decisão de ceifar a própria vida não importam, pessoas saudáveis não se matam, ponto.

A literatura revela diversos fatores que contribuem para essa situação preocupante. Um deles é o fácil acesso a um mecanismo letal, a arma de fogo, que muitas vezes se torna uma solução trágica para os problemas enfrentados. Além disso, o abuso físico e verbal durante o treinamento e o cotidiano de trabalho, a falta de treinamento adequado para lidar com situações desafiadoras, ferramentas inadequadas, a falta de reconhecimento profissional e as limitadas oportunidades de crescimento na carreira são elementos que alimentam a sensação de desesperança no meio policial.

A vida de um policial é completamente diferente da de um cidadão comum, pois eles(as) nunca realmente se desconectam do trabalho, mesmo fora do uniforme. Buscar ajuda psicológica dentro da instituição costuma ser motivo de chacotas e estigmas, o que dificulta ainda mais a busca por socorro, apoio, e tratamento adequado. Esse cenário acaba, também, por afetar as famílias dos servidores, pois quando eles não estão bem, toda a dinâmica familiar é prejudicada e afetada. Infelizmente, isso muitas vezes se manifesta em altos índices de alcoolismo, tabagismo, uso de substâncias lícitas/ilícitas, e violência entre os agentes da lei.

Diante desses fatos, surge a pergunta: ou uma parcela significativa de pessoas com transtornos psicológicos está ingressando na polícia, ou a forma como a instituição é organizada e operacionalizada, está contribuindo para o adoecimento desses profissionais. É preciso reconhecer que a saúde mental dos policiais é uma questão crítica e urgente que deve ser abordada em políticas públicas e práticas de apoio adequadas, com reformas legais e administrativas eficazes para lidar com o problema. Somente através de um esforço conjunto, uma construção coletiva, priorizando a prevenção, o acesso a tratamento e o apoio contínuo, poderemos garantir que as vidas policiais sejam valorizadas e preservadas, reconhecendo que por trás da farda existe uma pessoa com suas próprias histórias, sonhos e família.

A importância de abordar a questão da saúde mental dos policiais vai além de simplesmente reconhecer os desafios enfrentados por esses profissionais. É crucial compreender que a farda, o uniforme ou o cargo não são escudos invulneráveis que protegem de maneira inabalável a mente e a alma dessas pessoas. Por trás da imagem de autoridade, existe um ser humano com uma carga emocional complexa, uma história de vida e uma necessidade intrínseca de cuidar da própria saúde mental.

A fábula do sapo, recentemente postada no projeto, que morre na água quente serve como um lembrete poderoso dessa realidade. Assim como o sapo que permanece na panela enquanto a água aquece gradualmente, muitos policiais enfrentam uma jornada em que as pressões, traumas e angústias vão se acumulando silenciosamente. A falta de um ambiente de apoio adequado, a cultura de negação das vulnerabilidades emocionais e a ausência de mecanismos efetivos para lidar com o estresse constante são alguns dos fatores que contribuem para essa situação preocupante.

No entanto, assim como o sapo tem a oportunidade de saltar para fora da panela, os policiais também têm a capacidade de buscar ajuda, de reconhecer seus limites e de cuidar de sua saúde mental. O autoconhecimento e a conscientização das próprias emoções são ferramentas poderosas nesse processo. É preciso encorajar a prática do autocuidado, promover o acesso facilitado a serviços de apoio psicológico e desenvolver políticas que incentivem a prevenção e o tratamento adequado da saúde mental dentro das instituições policiais e defesa social.

A compreensão e a conscientização sobre a importância de cuidar da saúde são fundamentais não apenas para o bem-estar individual desses profissionais, mas também para o melhor desempenho de suas funções e para a construção de uma sociedade mais segura e saudável. Investir em políticas públicas que abordem essa questão de maneira abrangente é um passo necessário para valorizar e proteger as vidas daqueles que dedicam suas carreiras a proteger e servir à comunidade.

É chegada a hora de reconhecermos que a saúde mental dos policiais importa. Através do apoio mútuo, do rompimento de estigmas e da criação de um ambiente acolhedor, é possível estabelecer uma cultura de cuidado e prevenção, onde os policiais se sintam encorajados a buscar ajuda e a cuidar de si mesmos. Somente assim poderemos garantir que, por trás da farda, uniforme ou cargo, cada policial seja visto como uma pessoa valiosa, com sua própria história de vida, sonhos e família. Abaixo segue o download do estudo e outras sugestões de leitura.

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