Dependência Química e seus Impactos na Vida dos Profissionais da Segurança Pública PARTE 1

CRISE POLICIALARTIGOS

Ávila Graziele

8/12/20236 min read

Aborda a complexa interação entre a dependência química e os indivíduos que desempenham papéis cruciais na manutenção da ordem e segurança da sociedade. Explorando os desafios únicos enfrentados pelos profissionais da segurança pública, o texto analisará como o estresse, a exposição a situações traumáticas e a pressão constante podem contribuir para o desenvolvimento de problemas relacionados ao uso de substâncias. Além disso, destaca a importância da conscientização, prevenção e apoio adequado para mitigar os efeitos adversos da dependência química nesse setor fundamental, visando preservar tanto a integridade dos profissionais quanto a segurança da comunidade que eles servem.

Parte 1...

Por Ávila Graziele

Bacharel em Psicologia, Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental. agrazieles@gmail.com

Dependência Química e seus Impactos na vida dos Profissionais da Segurança Pública

O que é dependência química?

A dependência química é uma doença causada pelos efeitos de substâncias psicoativas. O consumo de substâncias psicoativas tem um lugar social relacionado à obtenção de prazer e ao auxílio de práticas cotidianas, como por exemplo: o café para acordar e manter o foco, cerveja para relaxar após o expediente, entre outros.

As substâncias psicoativas fazem parte do dia a dia, e muitas vezes são consumidas sem a consciência das consequências de seus efeitos no organismo. A grande questão envolvendo o uso de substâncias psicoativas ocorre quando esse uso perde o equilíbrio e dosagem corretas por se relacionar com questões emocionais, levando o sujeito a depender desse uso para se sentir apto a realizar suas atividades cotidianas.

É importante ressaltar que a dependência grave de álcool e outras drogas, na maioria dos casos, inicia-se com o uso moderado de substancias consideradas lícitas. Encontra-se no uso dessas substâncias além de simplesmente obtenção prazer, redução ou fuga do sofrimento, de questões pessoais e emocionais. Seria uma forma de escape da realidade e da impotência de lidar com questões próprias.

A vulnerabilidade dos profissionais da segurança pública e o uso de drogas

Os Profissionais da Segurança Pública estão constantemente expostos a situações de violências, desastres, conflitos sociais, necessitando estar sempre com uma postura profissional que demanda muitas vezes não expressar suas emoções. Além da exposição às violências institucionais, muitas vezes, lidam com a desvalorização profissional no que tange ao reconhecimento do seu trabalho e ao retorno financeiro. Deparam-se, também, infelizmente, com um cenário de desrespeito por parte da sociedade que não atribui, muitas vezes, importância ao seu trabalho e aos sacrifícios necessários para sua realização.

Não é fácil ter a missão de mediar todos os tipos de conflitos sociais, ter a responsabilidade de ser a resposta de proteção para uma sociedade inteira. Policiais lidam todos os dias com seres humanos de todos os tipos, comportamentos, temperamentos e personalidades, isso os leva a um nível de tensão psíquica muito forte que se não acompanhada de perto por equipes especializadas, pode trazer fortes consequências relacionadas à saúde mental, sendo possível vislumbrar, como saída para angústias, o uso de substâncias psicoativas. O que vem ocorrendo, infelizmente, com frequência.

Impactos na vida familiar

O uso de substâncias psicoativas de maneira descontrolada gera alteração de humor e comportamental, desencadeando vários transtornos nos diversos tipos de relacionamentos interpessoais desse usuário, podendo gerar conflitos verbais, físicos, e afastamento de pessoas queridas.

A convivência familiar fica prejudicada, com constantes desentendimentos, desavenças, falhas de comunicação. O desgaste pode chegar a níveis extremos em muitos casos, causando a ruptura do usuário com a família, sua principal rede de apoio.

O relacionamento conjugal de um dependente químico não se sustenta caso este usuário não admita a doença e aceite tratamento, pois todos os aspectos do relacionamento são afetados, como a convivência diária, acordos simples do dia a dia, questões financeiras, vida sexual. A própria dificuldade geral que o dependente químico tem para viver de uma maneira funcional pode levar um casamento ao fim.

Em muitos casos a dependência química retira do usuário a capacidade de exercer a paternidade/maternidade no sentido mais profundo da palavra, pois os efeitos da dependência o impossibilitam de participar de momentos importantes, de manter laços de confiança e afeto com os filhos, além das feridas emocionais que são geradas nos momentos que se está sob efeito da substância, onde falas e atitudes impensadas, muitas vezes esquecidas pelo dependente, geram marcas emocionais profundas na família.

Os filhos podem sofrer com uma interação familiar negativa, excesso de conflitos, baixa autoestima, maior probabilidade de desenvolvimento de problemas emocionais, baixo rendimento escolar, além de possíveis comportamentos agressivos que podem ser desenvolvidos por conviver num ambiente familiar disfuncional.

Todo esse déficit na relação com os filhos e o distanciamento afetivo consequente do uso de substancias pode desencadear futuramente o consumo excessivo de substâncias psicoativa nos filhos, também para mascarar angústias, por exemplo, dando sequência a um ciclo de dependência química no sistema familiar.

Impactos na vida profissional

A atuação na segurança pública demanda perfeito estado de saúde física e emocional, por ser um trabalho que em todos os seus níveis demanda perfis estratégicos, focados, centrados, com obstinação e determinação em cada missão que se apresente. Inclusive exige capacidade de lidar com pressão e cobranças, não apenas da instituição, mas também da sociedade. Por isso, ainda na seleção dos candidatos na fase de concurso público, todos os aprovados se submetem a uma extensa bateria de exames médicos e psicológicos.

Quando esse profissional, por vários motivos, se torna vítima de uma dependência química, rapidamente seu desempenho laboral fica comprometido, pois reduz consideravelmente o seu ritmo de produtividade, capacidade de atenção, concentração, além do nível de irritabilidade que pode se elevar significativamente, principalmente em momentos de abstinência, ou devido seu relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho se torna completamente comprometido, devido as alterações emocionais e comportamentais.

Dado esse cenário, o servidor da segurança pode começar a se ver num contexto de disfuncionalidade profissional, onde as chefias podem parar de lhe confiar tarefas que antes lhe eram atribuídas, colegas de trabalho podem demonstrar insegurança em lhe confiar atividades outrora confiadas. Quando este profissional começa a perceber que não consegue mais atuar com a mesma competência que lhe era de costume, pode ser dominado por um sentimento de inaptidão. Todo esse contexto pode desencadear quadros depressivos, baixa autoestima, isolamento, sucessão de mentiras para não transparecer aos colegas de trabalho ou equipe de saúde o que está lhe ocorrendo, ou até mesmo ideação suicida. Todas essas novas angústias geradas pelo comportamento desfuncional pode provocar um uso ainda maior de substâncias, já que uma de suas funções é justamente a fuga dos problemas, o não enfrentamento daquilo que gera incômodo ou sofrimento.

É preciso agir agora!

Ainda se discute muito pouco sobre estratégias para cuidados com a saúde mental de profissionais da segurança pública. Essa pauta ainda é rasa em ambientes universitários ou grupos de estudiosos, sendo cada vez mais notável a urgência de atenção e ações que envolvam promoção de saúde mental para estes profissionais.

Esse público precisa ter sua vulnerabilidade tratada com acolhimento, sem formas depreciativas ou punitivas, pois tudo que envolve o seu fazer profissional o coloca a todo momento em situações de risco ou tensão. Além da sobrecarga de trabalho, o próprio ofício lhe dá fácil acesso a todos os tipos de substâncias psicoativas, o que se torna um fator complicador.

Faz-se urgente a implementação de políticas públicas, leis, comissões em conselhos regionais profissionais que sejam focadas exclusivamente para saúde mental dos profissionais da segurança pública, pois o setor do qual fazem parte é a base de uma sociedade protegida e bem estruturada. Se não se investe em cuidados para quem cuida, e sustenta essa sociedade, o que esperar da solidez no desenvolvimento dessa ?

Essa foi apenas uma introdução sobre a temática. O assunto é extremamente vasto e não pode ser analisado apenas em um único texto. Em breve publicarei outras partes desse mesmo tema, a saber:

  • Dependência Química na Polícia e a Negação do transtorno

  • Alcoolismo, tabagismo, e a dependência de hipnóticos/ansiolíticos/estimulantes como "apoio" para o trabalho

  • Preconceito e falta de informação sobre esse fenômeno na Polícia e Sociedade

  • Dentre outros

Em breve... Aguardem...

Referências:

Garcia, F; Costa, M. R; Guimarães, L. P; NEVES, M. C. L. Vulnerabilidade e o uso de drogas. Belo Horizonte: 3i Editora, 2016

Figlie, N., Fontes, A., Moraes, E., & Payá, R.. (2004). Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio-psicossociais: necessitam de um olhar especial?. Archives of Clinical Psychiatry (são Paulo), 31(2), 53–62. https://doi.org/10.1590/S0101-60832004000200001

Schimith, P. B., Murta, G. A. V., & Queiroz, S. S. de .. (2019). A abordagem dos termos dependência química, toxicomania e drogadição no campo da Psicologia brasileira. Psicologia USP, 30, e180085. https://doi.org/10.1590/0103-6564e180085

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