Conceito e Análise do Trauma no contexto da Segurança Pública

CRISE POLICIALARTIGOSDESTAQUES

Alvaro Schneider

7/25/202315 min read

O texto aborda o conceito de trauma, resultante da exposição a eventos desestabilizadores ou ameaçadores à vida, com efeitos duradouros no bem-estar físico, mental e emocional. Trauma pode ser diferente para cada indivíduo e nem sempre precisa ser uma experiência vivida diretamente. Existem dois tipos de trauma: o "trauma com t minúsculo", eventos traumáticos sem o diagnóstico de TEPT, e o "Trauma com t maiúsculo", relacionado ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O texto explora os mecanismos de "luta, fuga ou congelamento" diante de ameaças e a neurofisiologia do trauma. O TEPT está associado a eventos estressantes que ameaçam a vida e pode resultar em sintomas como flashbacks e medo intenso.

Tema interessantíssimo...

Por Alvaro Schneider

Bacharel em Psicologia e Especialista em Psicologia Clínica. Instagram @psi.alv, alv.schneider@gmail.com

O que é um trauma

Trauma é um tema amplo, sendo resultado da exposição a um incidente ou série de eventos que desestabilizam ou ameaçam a vida, com efeitos adversos duradouros no funcionamento individual e no bem-estar mental, físico, social, emocional e/ou espiritual. Vale notar que tais eventos não devem ser tidos como ameaçadores ou desestabilizadores em si, mas sim na compreensão de quem os vivencia. Portanto, aquilo que pode ter sido traumático para uma pessoa pode não ser para a outra, bem como não é necessário que o evento em questão tenha acontecido diretamente com quem foi traumatizado – como no caso de uma pessoa traumatizada por presenciar a morte de um desconhecido na rua.

Grande parte das pessoas associam “trauma” com flashbacks de momentos traumáticos, calafrios, irritação ou inquietação, medo, pavor, estado de alerta etc., mas isso diz respeito mais especificamente ao TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Porém, há um diferencial entre trauma e Trauma, conhecido como “trauma com t minúsculo” e o “trauma com o t maiúsculo”. Este último (Trauma) se refere ao TEPT, enquanto o primeiro (trauma) diz respeito aos eventos que são traumáticos, mas não se adequam aos critérios diagnósticos do Transtorno de Estresse Pós-Traumático. E qual é a diferença?

Para respondermos essa pergunta, antes é necessário explicar alguns mecanismos comportamentais e neurofisiológicos básicos:

Luta, fuga ou congelamento

"Luta, fuga ou congelamento" é uma resposta comportamental instintiva comum a situações de perigo em muitas espécies de animais, inclusive nos humanos. Luta é quando o animal adota uma postura agressiva de ataque diante da ameaça, com o objetivo de afastar o agente ameaçador (lutar pela vida); Fuga é o comportamento de se esquivar diante de um perigo iminente e perigoso (evitar a morte); Congelamento é a postura de não ser visto e, assim, não sofrer um ataque (não ser detectado). As três respostas advêm do medo, ou seja, a busca pela sobrevivência.

Imagine a cena: um cachorro avista um gato, e então passa a persegui-lo. O gato começa a correr dessa ameaça, mas se depara com um beco sem saída. O que o gato faz então? Ele passa a atacar o cachorro. Se o gato avistar o cachorro antes de ser visto, então o gato adota o mecanismo de congelamento para evitar ser detectado pelo cachorro.

Descansar e Digerir

O mecanismo de sobrevivência do organismo exige um grande investimento energético, que só faz sentido ser utilizado em caso de necessidade de sobrevivência. Por isso, quando o organismo não está em “Luta ou Fuga”, ele está em repouso ou relaxamento, ou no estado de “Descansar e Digerir”.

Neurofisiologia

De maneira simplificada, o mecanismo de luta ou fuga é desencadeado diante do medo de uma ameaça à vida, sendo ativada a amigdala, o hipocampo, o hipotálamo e as glândulas adrenais. A amigdala é responsável por avaliar ameaças, processar emoções e gravar na memória a associação de eventos ameaçadores e a ameaça que eles representam. Por isso, ela está intimamente relacionada ao estresse e medo. O hipocampo, entre as diversas funções, é responsável pelo processamento de memórias e emoções. Já o hipotálamo é responsável por enviar o sinal desencadeador da liberação do famoso “hormônio do estresse”, o cortisol, que regula o metabolismo para a disponibilização de energia durante a luta ou fuga, e tem, também, um efeito imunossupressor, ou seja, ele tem um aspecto inibitório do sistema imunológico. As glândulas adrenais são responsáveis pela secreção da famosa adrenalina, resultando no aumento da frequência cardíaca (coração acelerado), aumento da força muscular, dilatação das vias aéreas (aumento da capacidade respiratória), aumento da concentração e estímulo à maior liberação de energia para o corpo.

Como esse mecanismo é ativado diante de uma situação de ameaça à vida, algumas áreas do cérebro passam a ser mais inibidas de maneira proporcional, ou seja, conforme o nível da necessidade de sobrevivência. Pense que esse mecanismo é básico e, por isso, pode acabar suprimindo áreas mais complexas como o córtex pré-frontal, responsável pela atenção, concentração, cognição e controle dos comportamentos impulsivos e emocionais.

Transtorno de Estresse Pós-Traumático

O TEPT tem relação com um evento estressante, ameaçador, que representa um perigo à vida – lembrando que a compreensão de um evento enquanto ameaçador depende da perspectiva da pessoa, e o evento não precisa, necessariamente, ter ocorrido com ela, especificamente. Logo, um grande incidente pode não gerar trauma em um certo individuo, mas um pequeno pode gerar em um outro. Tudo dependerá do sujeito e do momento que ele está passando – quanto mais estressado e instável ele estiver, mais vulnerável ele estará para experienciar um evento como traumático e possivelmente desenvolver TEPT.

Uma criança que se queima, aprende que o fogo é uma ameaça e não deve mais colocar a mão no fogo. Essa associação entre fogo e perigo deve ser guardada na memória, pois esquecer disso pode ter consequências drásticas. A diferença é que uma queimadura de primeiro grau dificilmente será evento traumático, em linhas gerais. O que acontece no TEPT é que um evento traumático é incorporado, nesta associação da amigdala e hipocampo, como algo a ser evitado a todo custo, pois representou uma grave ameaça à vida. É o sistema de alerta, que busca reconhecer um perigo já vivenciado para poder evitá-lo. Perceba que o “sistema de alerta” é extremamente importante para a nossa sobrevivência, porém, um evento traumático excessivamente estressante e desestabilizador é armazenado de uma forma muito profunda por representar uma grande ameaça a ser evitada, o que faz o sujeito que tem TEPT disparar o sistema de alerta com qualquer objeto, pessoa ou contexto que lembre vagamente o trauma – tão vagamente que o próprio sujeito não consegue identificar a relação do contexto com o trauma. Não só isso, um Trauma começa a invadir a mente da pessoa como uma tentativa de “lembrar” de evitar aquilo que é extremamente ameaçador. É como se o seu cérebro dissesse “lembre-se desse evento, grave bem, cuidado para ele não se repetir, sobreviva!”, fazendo com que você fique “cada vez mais à vontade, e suscetível” a relacionar as demais vivências cotidianas com o trauma, e ainda, a reagir aos estímulos que normalmente não provocariam reações de alerta – hipersensibilização do estado de alerta.

No Transtorno de Estresse Pós-Traumático há um prejuízo no hipocampo, levando a uma dificuldade tanto no manejo emocional quanto na distinção do passado e futuro, o que resulta nos flashbacks. Um flashback é uma memória experienciada com intensidade e vivência, provocando uma excitação amigdala e desencadeando o sistema de Luta ou Fuga. Esse processo se dá em uma constante, o que pode reforçar cada vez mais a relação entre a memória traumática e a resposta ao trauma – esse é o estresse do TEPT. Ainda, por ser esse estresse cada vez mais frequente, o córtex pré-frontal está constantemente mais inibido, o que diminui a capacidade de concentração, atenção, raciocínio e autocontrole (emocional e de ações impulsivas), o que dificulta cada vez mais a pessoa a conseguir sair desse ciclo de estresse. Ou seja, o corpo de quem tem TEPT está sempre em tensão, como se estivesse diante do perigo a todo momento, não deixando o sistema “Descansar e Digerir” entrar em cena.

Alguns sintomas comuns do Transtorno de Estresse Pós-Traumático são:

· Ideacional – Flashbacks, pensamentos negativos e intrusivos, perda de memória sobre partes significativas do evento (memoria dissociativa).

· Sentimental – Medo, vergonha, desesperança, ansiedade, desamparo, raiva ou até mesmo embotamento emocional.

· Corporal – Batimento cardíaco acelerado, constante estado de alerta ou vigilância, choro ou irritação sem causa aparente, ataques de pânico, insônia e pesadelos, fadiga excessiva sem causa aparente.

· Social – Necessidade de fuga de ambientes e contextos mesmo sem saber o motivo ou o motivo é desproporcional à necessidade de evitação. Vai desde evitar lugares completamente, até evitar o contato social ou com objetos específicos.

Apesar de esses sintomas estarem presentes no TEPT, é necessário se enquadrar em um critério específico para ser diagnosticado com esse transtorno. Esse critério pode ser visualizado aqui (https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/ansiedade-e-transtornos-relacionados-a-estressores/transtorno-de-estresse-p%C3%B3s-traum%C3%A1tico-tept). Agora, caso uma pessoa apresente alguns sintomas do TEPT, mas não se enquadre no critério diagnóstico, então ela tem um trauma.

Todo TEPT é um trauma, mas nem todo trauma é um TEPT

Se todo TEPT envolve um Trauma que debilita o sujeito de maneira significativa, e um trauma não necessariamente desenvolverá um TEPT, então traumas que não são TEPT são menos prejudiciais, certo? Na verdade, pode ser o oposto!

É bem verdade que o Trauma de um TEPT é mais debilitante, porém, quem sofre desse transtorno consegue identificar mais facilmente que tem vivido um Trauma, e seus impactos, o que resulta em uma maior probabilidade dessa pessoa buscar ajuda ou pedir afastamento do trabalho para se recuperar. Já um trauma pode passar despercebido pelo sujeito, por ser mais facilmente suprimido, o que gera uma falsa sensação de controle. Todo trauma envolve um evento intenso e desestabilizador que provoca estresse no sistema nervoso central. Por isso, um trauma, mesmo que suprimido, continua a sobrecarregar o sujeito, porém, de maneira velada. Com o tempo, o sujeito e as pessoas à sua volta começam a considerar que as atitudes agressivas, falta de bom senso, razoabilidade, impulsividade, e descontrole emocional seriam parte da personalidade do indivíduo. Ou seja, esse modo de ser passa a ser normalizado no cotidiano – “ah, esse é o meu jeito”, “ele é assim mesmo”.

Neste caso, o trauma seria a ferida que você cobre. Como ela está coberta, os outros não veem e, por vezes, tocam nela. Você sente dor e reage de maneira desproporcional ao toque, porque, para você, não foi apenas um toque, foi uma agressão. O que se sente não é o toque, mas a dor do corte que parece nunca cicatrizar.

O trauma, diferentemente do TEPT, não está intimamente relacionado com eventos que ameaçam a vida, mas está relacionado com eventos que ameaçam a integridade do eu, do ego, daquilo que junta as suas partes. Assim, o trauma pode ser compreendido como aquilo que estilhaça, que separa você de você mesmo, das suas partes. Um pai agressivo e autoritário, um abuso sexual, problemas financeiros, divórcio, conflitos interpessoais, assédio moral e sexual no trabalho, pressão social, todas essas questões podem ser eventos traumáticos (podendo até vir a desenvolver TEPT).

Como os traumas não se manifestam de maneira expressiva igual ao TEPT, eles se acumulam, o que torna a tarefa de se livrar deles muito mais difícil – mas definitivamente não impossível. Na literatura cientifica e psicológica, já é bem compreendido que a supressão emocional é fator crucial para o desenvolvimento de traumas, já que um trauma se dá por uma vivência desestabilizadora e de difícil manejo. Ser uma pessoa “durona” faz com que essa vivência permaneça desestabilizadora, já que não foi processada da maneira que deveria. O trauma continua assombrando a pessoa como se estivesse implorando para que seja processado, vivenciado, organizado e estabilizado.

Assim, alguns sintomas que se manifestam em alguém traumatizado são:

· Depressão;

· Aumento da agressividade contra si e contra os outros;

· Despersonalização – sensação de desconexão em relação a si mesma ou ao seu próprio corpo;

· Dissociação – desconexão temporária entre diferentes aspectos da consciência, memória, identidade, pensamentos, sentimentos ou sensações físicas;

· Repetição comportamental compulsiva de cenários traumáticos;

· Declínio no funcionamento familiar e no trabalho.

Saber o que faz duas pessoas passarem pela mesma experiência, e uma se traumatizar e a outra não, não é uma tarefa fácil. Tudo aquilo que integra o sujeito acaba sendo uma variável para o desenvolvimento do trauma. Porém, estar constantemente em contato com situações estressantes e de risco à vida – tanto do sujeito quanto a de terceiros – são fatores importantes no risco do desenvolvimento de um trauma (seja ele com “t” maiúsculo ou minúsculo).

O risco de trauma e as profissões de risco

A exposição a situações intensas que envolvem risco à vida tem alta chance de resultarem em um trauma, podendo ser um Trauma por conta de uma situação extrema ou o acumulo de traumas ao longo da vida. Assim, não é difícil de imaginar que as profissões de risco têm significativamente mais probabilidade de desenvolver traumas. Estima-se que 30% dos profissionais de emergência – como bombeiros, policiais, resgate e paramédicos – desenvolvem condições de saúde comportamental, como depressão e TEPT. Isso porque geralmente eles são os primeiros a chegar ao local para enfrentar situações desafiadoras, perigosas e exaustivas. Eles também são os primeiros a abordar os sobreviventes de desastres e fornecer apoio emocional e físico. Essas responsabilidades, embora essenciais para toda a população, carregam grande peso e exigência que, ao longo do tempo, aumentam o risco do desenvolvimento de traumas. O constante risco de morte, luto, lesão, dor ou perda, bem como exposição direta a ameaças à segurança pessoal, longas horas de trabalho, turnos frequentes e jornadas mais longas, sono ruim, dificuldades físicas, e outras experiências negativas se acumulam na experiência cotidiana e vulnerabilizam a saúde mental desses profissionais.

Segurança mental

Os profissionais de segurança pública, sobretudo no Brasil, lidam rotineiramente com situações que vulnerabilizam a saúde física e mental. O medo recorrente de errar, a convivência com riscos no trabalho e em suas comunidades de residência, além da possibilidade de serem vítimas de violência mesmo em seus momentos de folga, são apenas alguns dos desafios enfrentados por esses profissionais. A sensação de desvalorização da profissão e o estigma associado a truculência e abusos de poder também contribuem para agravar a pressão psicológica sobre eles.

Dados preocupantes revelam que o Brasil possui a polícia que mais mata e também a que mais morre no mundo. Essas estatísticas demonstram uma realidade alarmante e reforçam a importância de abordar a questão da saúde mental desses trabalhadores. Na segurança pública, a constante é o medo: Luta ou Fuga. Lutar pela vida, fugir para sobreviver. A memória que se solidifica é sempre associada a sobrevivência. Se um profissional da saúde tem grande propensão a desenvolver um trauma na profissão, o que dirá daquele que vive a morte: morre, mata e vê morrer. O estresse do cumprimento de ordens, baixo salário, o excesso de trabalho e a inflexibilidade de escalas também são fatores que contribuem para a diminuição do limite que um profissional é capaz de suportar, de manejar situações estressantes.

E qual é o impacto desse estresse, no fim das contas? O recorrente convívio com a tensão do medo e o acúmulo de traumas perpetuam um perigoso ciclo: quanto mais trauma se tem, maiores são as chances de se ter um trauma. Como dito anteriormente, a ativação do sistema de alerta, quando agudo, diminui a capacidade de concentração, atenção, raciocínio e autocontrole, e, em contexto de risco, a exigência é que esses profissionais tenham todas essas características intactas para que a situação seja manejada da melhor forma. Logo, o trauma (ou acúmulo de traumas) aumenta consideravelmente a probabilidade da precariedade do manejo de situações possivelmente traumáticas, resultando em novos traumas, que, por sua vez, aumentam a probabilidade de um pior manejo de novas situações de risco. O encobrimento de recorrentes traumas e o acúmulo de estresse servem apenas para alimentar ainda mais esse ciclo avassalador.

Ainda, devemos nos atentar para uma importante questão sobre essa temática de saúde mental, trauma e segurança pública. Quando falamos sobre esses aspectos, principalmente na interrelação deles, há um risco de se pensar apenas no contexto do trabalho, isto é, a integridade mental durante a atuação. Porém, a saúde mental faz parte da pessoa durante o dia todo, fim de semana e feriado, e não apenas na jornada de trabalho. Isso significa que a atenção à saúde mental, sobretudo aos traumas, definitivamente não se limita aos traumas adquiridos durante a atuação, mas, principalmente, aos traumas que um indivíduo carrega durante a sua vida. Infância, adolescência, paternidade, maternidade, relacionamentos, acidentes, luto. Todas as pessoas, a todo momento, estão sujeitas a vivenciarem essas experiências que, dependendo do momento e contexto, podem ser traumáticas. O cuidado que um profissional de segurança deve ter é, justamente, se atentar não apenas aos traumas profissionais, mas aos traumas da vida, pois eles também se acumulam e ditam o modo com que o sujeito lida com seus colegas, superiores, civis e situações intensas de risco. Uma vida é necessária antes da inserção profissional e, por isso, possíveis traumas vem como bagagem junto à atuação em segurança, o que aumenta a chance de se incorporar novos traumas resultantes da lida com situações de risco.

Como um trauma é tratado

O trauma que perdura é o trauma que é evitado, suprimido, ignorado, negligenciado. O objetivo da supressão é evitar o contato com a dor emocional, mas o que acaba acontecendo é o oposto: quanto mais se distancia, mais duradouro ela se torna. É o sofrimento à longo prazo, que passa a fazer parte do sujeito. Uma proposta sobre o que leva uma pessoa a desenvolver um trauma é que a experiência intensa – frequentemente relacionado ao risco à vida – não consegue ser integrada devidamente pelo sujeito. Ou seja, é quando o sujeito não consegue assimilar direito o que aconteceu e, por isso, essa experiência vem constantemente à tona, com o intuito de ser assimilada, processada e integrada. É justamente por isso que a postura defensiva de suprimir, racionalizar ou relevar a experiência traumática só ajuda a perpetuar o trauma.

Porque o evento traumático, de uma maneira ou de outra, está constantemente atormentando o sujeito, a assimilação de novas experiências fica comprometida, resultando em prejuízo na concentração, memória, disposição e autocontrole. É como se algo estivesse ocupando parte da sua mente, então o ato de processar e controlar outras informações – como emoções e impulsos – fica comprometido. Em outras palavras, o que torna as memórias traumáticas é uma falha do sistema nervoso central em sintetizar as sensações relacionadas à memória traumática em uma memória integrada e coesa. Por isso, o tratamento de um trauma está em fazer o caminho inverso, ou melhor dizendo, fazer o caminho que deveria ter sido feito para que a memória dessa experiência seja devidamente integrada.

Um aspecto importante é compreender um trauma (assim como os transtornos psicológicos) enquanto parte de um espectro. Comer uma comida estragada, cair em público, sofrer um acidente de carro, sofrer um ataque animal ou humano, se afogar, presenciar ou causar a morte de alguém, todas essas experiências podem ser consideradas traumáticas, mas dentro de um espectro. Algumas delas aparecerão em certos momentos, talvez a noite antes de dormir, e gerarão um desconforto – uma vergonha alheia, talvez, daquele dia que você foi piada na terceira série –, mas sua vida cotidiana permanece a mesma. Já outras impactarão significativamente seus aspectos emocionais, cognitivos, interpessoais e espirituais, causando grande debilidade na sua vida, como uma experiência de quase morte, violência doméstica, ou a morte de um companheiro. Muito dependerá da relação entre evento e sujeito. Presenciar a morte de alguém para o sujeito A pode não ser traumático, mas um acidente de carro sem ferimentos pode ser muito traumático para o sujeito B. Não é nem só sobre eventos nem sobre sujeitos, mas sobre a vivência de sujeitos em eventos.

Por isso, a psicoterapia e medicamentos podem ser utilizados em conjunto para ajudar a pessoa a integrar a experiência traumática. Essa integração pode variar de terapia para terapia, umas focando mais no processo cognitivo e de ideais, outras mais em exposição gradual ao trauma, e até aquelas que utilizam o movimento dos olhos para ajudar a superar traumas (sendo cientificamente comprovado). Os medicamentos, normalmente antidepressivos, podem ser utilizados para que a pessoa consiga entrar em contato mais facilmente com o evento traumático, bem como auxiliá-la na diminuição dos sintomas no dia a dia.

Referências:

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https://adaa.org/learn-from-us/from-the-experts/blog-posts/consumer/how-prevent-trauma-becoming-ptsd

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Logue, M. W., van Rooij, S. J. H., Dennis, E. L., et al. (2018). Smaller Hippocampal Volume in Posttraumatic Stress Disorder: A Multisite ENIGMA-PGC Study: Subcortical Volumetry Results From Posttraumatic Stress Disorder Consortia. Biological psychiatry, 83(3), 244–253. https://doi.org/10.1016/j.biopsych.2017.09.006

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https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/04/politica/1491332481_132999.html

https://worldpopulationreview.com/country-rankings/police-killings-by-country

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