LEI 14.531/2023: ANÁLISE, REFLEXÕES E PERSPECTIVAS PARA O TEMA SAÚDE MENTAL, EDUCAÇÃO EMOCIONAL PARA A SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL

ARTIGOSDESTAQUES

Erick Guimarães

6/21/202310 min read

A publicação foi feita no DOU em 11/1/23O texto amplia e detalha o Pró-Vida, programa criado em 2018 para atenção psicossocial e de saúde no trabalho aos profissionais da área, passando a prever estratégias em três níveis de prevenção de "violência autoprovocada". Parte 2 dessa análise.

Vamos lá... Parte 2

Por Erick Guimarães

Perito Criminal, Especialista em Políticas e Gestão da Segurança Pública, Criminologia e, Engenharia Ambiental. Professor  há mais de 20 anos, Físico (bacharelado e licenciatura) pela UnB, psicanalista em formação.

Continuando nossa linha de raciocínio e análise da Lei 14.531/2023...

Na lei, foi estipulado, também, um conjunto de dispositivos legais que estabelece políticas e ações de prevenção da violência autoprovocada entre os profissionais de segurança pública e defesa social. Essas políticas e ações são divididas em três níveis de prevenção: primária, secundária e terciária.

A prevenção primária, abordada no § 4º do art. 42-A, tem como objetivo atingir todos os profissionais da área, de maneira geral, e será realizada por meio de diferentes estratégias. São elas:

- estímulo ao convívio social, incentivando a aproximação da família ao local de trabalho;

- promoção da qualidade; elaboração e divulgação de programas de conscientização, informação e sensibilização sobre o suicídio;

- realização de palestras e campanhas que relacionem qualidade de vida e ambiente de trabalho;

- abordagem da saúde mental em todos os níveis de formação e qualificação profissional;

- capacitação dos profissionais para identificar e encaminhar casos de risco;

- criação de espaços de escuta para que os profissionais se sintam seguros ao expor suas questões.

Já a prevenção secundária, abordada no § 5º do mesmo artigo, é direcionada aos profissionais de segurança pública e defesa social que já estão em situação de risco de praticar violência autoprovocada. Nesse caso, as estratégias incluem:

- criação de programas de atenção ao uso e abuso de álcool e outras drogas;

- organização de uma rede de cuidado que permita o diagnóstico precoce dos profissionais em situação de risco, envolvendo toda a instituição;

- notificação dos casos de ideação e tentativa de suicídio no sistema de vigilância epidemiológica, mantendo a identidade do profissional em sigilo;

- acompanhamento psicológico regular;

- acompanhamento psicológico para profissionais que tenham se envolvido em ocorrências de risco ou experiências traumáticas;

- acompanhamento psicológico para profissionais envolvidos em processos judiciais ou administrativos.

Por fim, a prevenção terciária, mencionada no § 6º do artigo 42-A, é voltada para o cuidado dos profissionais que comunicaram ideação suicida ou que possuem histórico de violência autoprovocada. As estratégias nesse caso, mais grave, são:

- envolvimento e acompanhamento da família no processo de tratamento;

- enfrentamento de isolamento, desqualificação ou qualquer forma de violência sofrida pelo profissional no ambiente de trabalho;

- restrição do porte e uso de arma de fogo;

- acompanhamento psicológico regular, e, quando necessário, acompanhamento médico;

- outras ações institucionais de apoio ao profissional.

É importante observar que o texto legal reconhece a necessidade de uma série de medidas, que hoje, muitas vezes, não fazem parte da cultura institucional de alguns órgãos, criando níveis de atendimento ao profissional de segurança e defesa social baseado no grau de risco e histórico do servidor. Uma série de medidas extremamente necessárias foram estipuladas para preparar as instituições pra lidar com a questão saúde mental. Friso a importância especial aos dispositivos que visam proteger o servidor de discriminação e qualquer tipo de violência interna, por conta de sua condição de saúde mental. A preocupação em fornecer não só o tratamento psicológico e médico adequado, mas garantir o contato com a família e rede de apoio do servidor. Além disso, a determinação para realização de palestras e cursos sobre o tema saúde mental nos cursos profissionais e de formação. Tais medidas, se realmente empregadas, com afinco e organização, tem o potencial para virar a chave na forma, muitas vezes preconceituosa, arraigada de ignorância e falta de empatia, com que o tema, às vezes, é lidado no meio policial e na defesa social. Representa um grande alívio ver que o legislador se preocupou em frisar, com detalhes, formas de começarmos a mudar a maneira com que esse tema tão sensível é tratado, visando desmitifica-lo e quebrar esse tabu.

Quanto ao Pró-Vida, que desenvolverá durante todo o ano ações direcionadas à saúde biopsicossocial, à saúde ocupacional e à segurança do trabalho e mecanismos de proteção e de valorização, deverá observar uma série de diretrizes e mecanismos de proteção voltados para a promoção, defesa e garantia dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública e defesa social. Essas medidas buscam assegurar condições adequadas de trabalho, bem-estar e valorização desses profissionais, levando em consideração os princípios constitucionais e os instrumentos internacionais de direitos humanos.

Para os mecanismos de proteção, tem-se no art. 42-B o que devem observar. Dentre as diretrizes apresentadas, destacam-se as seguintes:

I - A adequação das leis e regulamentos disciplinares que tratam dos direitos e deveres dos profissionais de segurança pública e defesa social à Constituição Federal e aos instrumentos internacionais de direitos humanos.

II - A valorização da participação dos profissionais de segurança pública e defesa social nos processos de formulação de políticas públicas relacionadas à área, reconhecendo a importância de sua experiência e conhecimento.

IV - O acesso a equipamentos de proteção individual e coletiva em quantidade e qualidade adequadas, garantindo a instrução e o treinamento continuado para o uso correto desses equipamentos, bem como sua reposição permanente.

V - A garantia de condições adequadas de trabalho, incluindo a manutenção, renovação e adequação dos veículos utilizados no exercício profissional, além de instalações dignas com ênfase na segurança, higiene, saúde e ambiente de trabalho.

VI - A adoção de medidas concretas para prevenir, identificar e enfrentar qualquer forma de discriminação no ambiente de trabalho.

VII - A proteção integral aos direitos constitucionais das profissionais de segurança pública, considerando as especificidades da gestação, amamentação e o cuidado com os filhos, garantindo instalações físicas e equipamentos específicos quando necessário.

XI - A promoção do aperfeiçoamento profissional e da formação continuada como direitos dos profissionais de segurança pública e defesa social, estabelecendo como objetivo a universalização da graduação universitária.

XIII - A garantia de assistência jurídica para o recebimento de seguro, pensão, auxílio ou outros direitos aos familiares em caso de morte do profissional de segurança pública e defesa social.

Tais diretrizes visam garantir um ambiente de trabalho seguro, valorizar os profissionais, assegurar seus direitos e promover a igualdade de oportunidades. Ao estabelecer critérios para a promoção e apoio para usufruto de direitos de pensão, auxílios, etc, bem como medidas de amparo em casos de vitimização ou deficiência, o texto demonstra uma preocupação abrangente com o bem-estar e a dignidade dos profissionais de segurança pública e defesa social.

De acordo com o artigo 42-C, também são determinadas diretrizes que devem ser observadas para as ações de saúde ocupacional e de segurança no trabalho. Entre elas, destacam-se a atuação preventiva por meio do mapeamento de riscos laborais, o aprofundamento dos conhecimentos epidemiológicos de doenças ocupacionais, a mitigação de riscos e danos à saúde e segurança, e a melhoria das condições de trabalho visando evitar a morte prematura ou incapacidade dos profissionais.

Ademais, o texto ressalta a importância da criação de dispositivos de transmissão e formação em temas relacionados à segurança, saúde e higiene, bem como a adoção de medidas concretas de prevenção e enfrentamento de qualquer tipo de discriminação nas instituições de segurança pública.

A inclusão de pessoas com deficiência, a promoção da reabilitação e reintegração dos profissionais ao trabalho, a garantia de acesso à informação necessária para o desempenho adequado das funções, e o combate ao assédio sexual e moral também são abordados nas diretrizes. Segue abaixo o que deve ser observado:

I - a atuação preventiva em relação aos acidentes ou doenças relacionados aos processos laborais por meio de mapeamento de riscos inerentes à atividade;

II - o aprofundamento e a sistematização dos conhecimentos epidemiológicos de doenças ocupacionais entre profissionais de segurança pública e defesa social;

III - a mitigação dos riscos e dos danos à saúde e à segurança;

IV - a melhoria das condições de trabalho dos profissionais de segurança pública e defesa social, para prevenir ou evitar a morte prematura do profissional ou a incapacidade total ou parcial para o trabalho;

V - a criação de dispositivos de transmissão e de formação em temas referentes a segurança, a saúde e a higiene, com periodicidade regular, por meio de eventos de sensibilização, de palestras e de inclusão de disciplinas nos cursos regulares das instituições;

VI - a adoção de orientações, de medidas e de práticas concretas direcionadas à prevenção, à identificação e ao enfrentamento de qualquer discriminação nas instituições de segurança pública e defesa social;

VII - a implementação de paradigmas de acessibilidade e de empregabilidade das pessoas com deficiência em instalações e equipamentos do sistema de segurança pública e defesa social, assegurada a reserva constitucional de vagas nos concursos públicos;

VIII - a promoção de reabilitação e a reintegração dos profissionais ao trabalho, em casos de lesões, de traumas, de deficiências ou de doenças ocupacionais, em decorrência do exercício de suas atividades;

IX - a viabilidade de mecanismos de readaptação dos profissionais de segurança pública e defesa social e de deslocamento para novas funções ou postos de trabalho como alternativa ao afastamento definitivo e à inatividade em decorrência de acidente de trabalho e de ferimento ou sequela;

X - a garantia aos profissionais de segurança pública e defesa social de acesso ágil e permanente a toda informação necessária para o correto desempenho de suas funções, especialmente quanto à legislação a ser observada;

XI - a erradicação de todas as formas de punição que envolvam maus-tratos ou tratamento cruel, desumano ou degradante contra os profissionais de segurança pública e defesa social tanto no cotidiano funcional quanto em atividades de formação e treinamento;

XII - o combate ao assédio sexual e moral nas instituições, por meio de veiculação de campanhas internas de educação e de garantia de canais para o recebimento e a apuração de denúncias;

XIII - a garantia de que todos os atos decisórios de superiores hierárquicos que disponham sobre punições, escalas, lotação e transferências sejam devidamente motivados, fundamentados e publicados;

XIV - a regulamentação da jornada de trabalho dos profissionais de segurança pública e defesa social, de forma a garantir o exercício do direito à convivência familiar e comunitária;

XV - a adoção de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) com composição paritária de representação dos profissionais e da direção das instituições.”

E, ainda, segundo o artigo 42-D, contamos com a determinação de pontos que devem receber atenção especial quanto à saúde ocupacional e de segurança no trabalho:

I - as jornadas de trabalho;

II - a proteção à maternidade;

III - o trabalho noturno;

IV - os equipamentos de proteção individual;

V - o trabalho em ambiente de risco e/ou insalubre;

VI - a higiene de alojamentos, de banheiros e de unidades de conforto e descanso para os profissionais;

VII - a política remuneratória com negociação coletiva para recomposição do poder aquisitivo da remuneração, com a participação de entidades representativas;

VIII - segurança no processo de trabalho.

Essas medidas visam garantir o bem-estar e a segurança dos profissionais de segurança pública e defesa social, assegurando que suas condições de trabalho sejam adequadas, que seus direitos sejam protegidos e que haja uma abordagem proativa para evitar acidentes, doenças ocupacionais e situações de discriminação ou assédio.

Por último, no artigo 42-E são elencadas as diretrizes a serem observadas pelas ações de saúde biopsicossocial do Pró-Vida:

I - a realização de avaliação em saúde multidisciplinar periódica, consideradas as especificidades das atividades realizadas por cada profissional, incluídos exames clínicos e laboratoriais;

II - o acesso ao atendimento em saúde mental, de forma a viabilizar o enfrentamento da depressão, do estresse e de outras alterações psíquicas;

III - o desenvolvimento de programas de acompanhamento e de tratamento dos profissionais envolvidos em ações com resultado letal ou com alto nível de estresse;

IV - a implementação de políticas de prevenção, de apoio e de tratamento do alcoolismo, do tabagismo ou de outras formas de drogadição e de dependência química;

V - o desenvolvimento de programas de prevenção do suicídio, por meio de atendimento psiquiátrico, de núcleos terapêuticos de apoio e de divulgação de informações sobre o assunto;

VI - o estímulo à prática regular de exercícios físicos, garantindo a adoção de mecanismos que permitam o cômputo de horas de atividade física como parte da jornada semanal de trabalho;

VII - a implementação de política que permita o cômputo das horas presenciais em audiência judicial ou policial em decorrência da atividade;

VIII - a elaboração de cartilhas direcionadas à reeducação alimentar como forma de diminuição de condições de risco à saúde e como fator de bem-estar profissional e de autoestima.

Assim, observa-se que diferentes abordagens para enfrentamento de dificuldades relacionadas à proteção, valorização e promoção dos direitos e condições de trabalho dos profissionais de segurança pública e defesa social foram recepcionadas nesta lei.

Sua importância gira em torno de proteger, valorizar e promover os direitos e condições de trabalho dos profissionais, do tratamento adequado quanto à promoção de saúde ocupacional, segurança no trabalho, combate ao assédio e garantia de acesso à informação. Com qual objetivo? Proporcionar unicamente condições de trabalho dignas, seguras e saudáveis, promovendo a qualidade de vida e o respeito aos direitos humanos desses profissionais, primordiais para a segurança da sociedade.

É crucial implementar essas diretrizes de forma contínua e efetiva, construindo uma cultura de valorização e proteção daqueles que são um dos principais responsáveis pelo cuidado com a sociedade e a garantia da justiça e paz social.

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